Rota comercial de Lula e Boric para o Pacífico deve ser usada por facções de cocaína 616i5j
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Publicado em: 01/05/2025 às 10h14Durante a visita oficial do presidente do Chile, Gabriel Boric, ao Brasil, na semana ada, houve avanço nas negociações sobre o Corredor Bioceânico. A iniciativa prevê a ligação dos portos brasileiros em São Paulo, Paraná e Santa Catarina aos portos chilenos, com conclusão prevista até 2026. Para especialistas, há um alerta a ser considerado: facções criminosas brasileiras já estariam estudando a nova rota para expandir o mercado da cocaína, sobretudo para a Oceania e, possivelmente, para a Ásia.
Para o mercado legal, o Corredor Bioceânico apresenta-se como um projeto de rota terrestre, envolvendo rodovias e ferrovias, que ligará o Brasil ao Chile, ando pelo Paraguai e pela Argentina, até chegar ao Oceano Pacífico.
O objetivo é criar um caminho mais curto e eficiente para exportar e importar produtos entre a América do Sul e a Ásia — principalmente a China —, utilizando os portos do Chile, em vez de depender apenas dos portos brasileiros no Oceano Atlântico. A nova rota pretende reduzir o tempo e o custo do transporte de mercadorias para consumidores asiáticos e outros países da costa do Pacífico, fortalecendo o comércio sul-americano no cenário global. No entanto, também representa um risco de expansão para o segmento global da cocaína, em parte dominado por facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC).
O encontro entre Boric e Lula também resultou na de acordos bilaterais para o enfrentamento ao crime organizado. Para especialistas, a razão para as medidas previstas é clara: os planos das principais organizações criminosas da América do Sul, principalmente o PCC, de explorar a nova rota para expandir seus negócios e alcançar continentes ainda pouco explorados. A partir do Oceano Pacífico, os carregamentos de cocaína estarão muito mais próximos da Oceania e da Ásia, reduzindo custos e facilitando a logística de transporte também para mercadorias ilegais.
A rota marítima do tráfico internacional: toneladas da droga colocados todas as semanas em diferentes continentes
O professor e pesquisador italiano sco Guerra, que estuda as rotas do crime organizado, foi um dos primeiros no mundo a alertar sobre o risco relacionado ao futuro Corredor Bioceânico. Guerra aponta que, se não houver controle e ações de repressão intensas desde já, portos no Chile, como Antofagasta e Iquique, podem se tornar novos centros de escoamento do tráfico internacional de drogas, assim como ocorre atualmente em Santos (SP) e Paranaguá (PR).
Ao lado de diversas outras estruturas portuárias brasileiras, esses portos são utilizados pelo crime organizado para camuflar e exportar toneladas de cocaína em cargas legítimas que partem semanalmente para a África e a Europa.
“Organizações criminosas como o PCC podem - e certamente irão - aproveitar uma nova rota para expandir a distribuição e venda da cocaína. O foco da maior organização criminosa da América do Sul pode se voltar para a Oceania, hoje ainda pouco explorada, com destaque para Nova Zelândia e Austrália”, alerta o pesquisador.
O tráfico internacional de drogas pelas rotas marítimas se difere do tráfico aéreo, quando pessoas levam a droga acoplada ao corpo, em malas, ou mesmo ingeridas em papelotes. Com a estrutura portuária, o risco é menor e a possibilidade de enviar toneladas é real. Todas as semanas, os criminosos se utilizam de uma técnica conhecida como "rip on/rip off", que consiste em inserir ilegalmente entorpecentes dentro de uma carga legítima ainda em terra (o “rip on”), sem o conhecimento do exportador ou do importador, e depois retirá-los no destino (“rip off”).
Para isso, criminosos abrem o contêiner em um ponto de fácil o – geralmente atrás das portas ou dentro das bases portuárias com a ajuda de profissionais cooptados –, colocam pacotes de droga e, em seguida, fecham novamente usando selos falsificados, de modo que a carga aparentemente permaneça intacta durante todo o trajeto.
Em portos sofisticados, nos quais a fiscalização é intensa, o método ainda se mostra eficaz porque leva apenas minutos: equipes treinadas quebram o lacre, acomodam a droga nos compartimentos já carregados (às vezes confinando-a entre pallets ou em espaços vazios no fundo), reaplicam um selo idêntico e deixam o contêiner seguir sem levantar suspeitas. No destino, operadores aliados abrem o contêiner e retiram rapidamente a carga ilícita antes que as autoridades alfandegárias percebam a adulteração.
Outra tática também é a contratação de mergulhadores profissionais para ocultar pacotes de cocaína nos chamados sea chests — compartimentos submersos usados para resfriar motores — em navios atracados em portos brasileiros. Em operações noturnas, pequenas lanchas transportam os mergulhadores até o costado da embarcação, onde eles desligam bombas, abrem grades metálicas, amarram tijolos de droga com cordas e pesos, e fecham tudo novamente, evitando sistemas de fiscalização por scanner e depredação das cargas lícitas. Tudo isso pode estar no radar para escoamento pelos portos chilenos, avaliam especialistas.
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Desbravar mercados pode ser uma condição estratégica para as facções brasileiras. Relatórios internacionais sobre o consumo de drogas na Oceania reforçam essa preocupação. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), a Austrália e a Nova Zelândia apresentam algumas das taxas mais altas de consumo de cocaína no mundo.
Nos últimos anos, a prevalência anual de uso entre adultos (de 15 a 64 anos) foi estimada em 2,1% na região dos dois países, equiparando-se à taxa da América do Norte e superando a média global de 0,4%. Esses números indicam que, proporcionalmente, o consumo de cocaína no continente é significativamente mais elevado do que em outras partes do mundo.
Embora os dados mais recentes do Relatório Mundial sobre Drogas de 2024 não apresentem estatísticas específicas para esses países, o documento aponta para um aumento global na produção e na oferta de cocaína, o que pode impulsionar o crescimento do consumo em mercados emergentes, como aparece o da Oceania.
“Se existe um mercado, há produto e rotas que facilitem o abastecimento, qualquer empresário do setor investiria nele. É exatamente o que o PCC fará com a rota bioceânica, encurtando em milhares de quilômetros a distância entre a América do Sul - grande produtora, com preços competitivos - e o mercado consumidor”, explica o especialista em Direito Marítimo Wilson Carneiro.
Carneiro, que estuda as rotas marítimas sul-americanas do tráfico, reforça que já há indícios da nova estrutura no radar do PCC. “A rota oficialmente não existe ainda, mas está muito próxima de se concretizar. Os governos falam em 2026 - acho pouco provável -, mas, não à toa, as organizações criminosas se organizam e trabalham com planejamento. Isso significa que o trajeto já está no radar e o PCC já se planeja para utilizá-lo, da mesma forma como faz com os portos brasileiros”, destaca.
sco Guerra acrescenta que o PCC desempenha um papel predominante tanto na logística quanto na distribuição de entorpecentes, especialmente de cocaína, para a Europa e para a África, e deverá utilizar suas expertises para ampliar mercados.
“A presença da facção na Ásia e na Oceania ainda parece limitada, já que sua logística está mais concentrada nos grandes portos atlânticos, como Santos, Paranaguá e Itajaí, além de alguns portos fluviais no Paraguai. No entanto, esses novos mercados am a entrar mais fortemente no radar, e um novo continente se desenha”, aponta.
A Ásia também pode estar nos planos, mas com menor probabilidade, devido à forte presença de organizações criminosas locais, como as máfias japonesas. Além disso, há uma preferência cultural por outras drogas, como a metanfetamina.
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Com a limitação de rotas no mercado internacional de atacado, os preços que o PCC consegue praticar para a cocaína na Ásia e na Oceania não são competitivos em relação aos de outras organizações criminosas que operam diretamente em portos do Pacífico. “Mas isso pode estar prestes a mudar com a Rota Bioceânica. Se houver alianças, parcerias e a possibilidade de entrar no mercado sem um conflito direto com as organizações já estabelecidas, isso certamente ocorrerá”, destaca Carneiro.
Além do PCC, outras organizações criminosas, como o Comando Vermelho, e diversos grupos transnacionais já presentes na região também poderão se beneficiar do novo percurso marítimo. “Um fator preocupante é que o Chile não possui grandes organizações criminosas nativas, o que pode levar o crime organizado da região a concentrar ainda mais sua atenção nos portos chilenos, transformando Antofagasta e Iquique em pontos estratégicos para o tráfico internacional”, avalia Guerra.
Tanto Guerra quanto Carneiro reforçam que é essencial fortalecer a cooperação no combate ao crime organizado, com investimentos pesados em serviços de inteligência e operações policiais conjuntas entre os países. “Além disso, seria crucial a participação de atores externos, como a DEA, para garantir que essa oportunidade única de integração econômica e social não se torne um presente para facções, cartéis e redes criminosas que já operam na América do Sul”, acrescenta Carneiro.
O especialista lembra que outro facilitador é o fato de os grandes produtores da droga estarem muito próximos do percurso da rota. Ele acredita que a cocaína a ser enviada à Oceania - e, eventualmente, à Ásia - poderá ser transportada diretamente dos países andinos - Peru, Bolívia e Colômbia -, ando pelo Paraguai em direção ao Chile. “Enquanto isso, analisamos que a logística no Brasil continuará voltada para abastecer mercados já estabelecidos, como o europeu e o africano. Neste caso, nada deve mudar”, afirma.
Sérgio Leonardo Gomes, que foi investigador das forças federais de segurança e atuou por anos na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, alerta que não há dúvidas de que as chamadas Orcrims - abreviatura para organizações criminosas - vão se aproveitar, e muito, da nova rota, independentemente dos esforços da segurança pública. “E essa atuação será facilitada porque a segurança pública já atua aquém do que a sociedade espera, não por culpa exclusiva dos comandos das forças de segurança, mas principalmente pela política pública de governo, que está longe de alcançar um bom nível de enfrentamento desse tipo de problema”, critica.
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O investigador aposentado também chama atenção para a rápida e expressiva expansão do narcotráfico brasileiro nos últimos anos. Segundo ele, o Brasil oferece uma série de vantagens para o crescimento dessas organizações, desde uma legislação perniciosa, que beneficia em demasia os criminosos, até uma cultura pró-corrupção, que é a principal ferramenta das principais Orcrims do país.
“Ao juntar essa legislação deficitária e manipulável com a índole corruptiva de parte daqueles que ocupam o poder, temos um campo muito fértil para o crescimento dessas organizações. E não será diferente com a rota bioceânica em projeção entre o Brasil e o Chile. Há décadas elas operam além dos muros das prisões e além das fronteiras nacionais”, alerta.
Gomes também destaca outro ponto que pode ar despercebido pela população. “Cada vez menos, as Orcrims utilizam a força bruta para ar o poder e dominar setores de interesse, como a política, a segurança pública e outros. Temos exemplos claros do poder dessas organizações e da incompetência do poder público no enfrentamento, o que acaba se espalhando para outros países à medida que essas facções am a operar e dominar negócios no exterior, seja de forma autônoma, seja em parcerias com criminosos locais”, aponta.
O investigador enfatiza que tanto o governo federal quanto os estados envolvidos na implementação do corredor bioceânico precisam dar atenção especial à segurança, tanto nacional quanto transnacional.
“Todo projeto que envolve rotas internas ou internacionais deve ter, desde o início, a preocupação com a segurança, seja ela sanitária ou voltada à prevenção e repressão de crimes. Não se pode mais tratar a questão de segurança separadamente ou posteriormente, é preciso definir quem estará apto a exercer essa função desde a concepção do projeto”, defende.
Gomes acredita que, além de um bom planejamento para a segurança do projeto, é preciso também pensar em mecanismos de controle e monitoramento para proteger aqueles que serão responsáveis por essa segurança contra a influência das Orcrims.
“É necessário atuar tanto com ações ofensivas, de força bruta, quanto com medidas para prevenir o aliciamento por meio da corrupção. Se já é difícil manter esse controle em projetos internos, nos quais as leis e a justiça são únicas, imagine em uma iniciativa que envolve vários países, legislações diferentes e interesses distintos”, afirma.
Ao um acordo de cooperação internacional no combate ao crime organizado com a Europol, em abril, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, reconheceu, mais uma vez, que o combate ao crime organizado mundial exige integração internacional. Ele também destacou que as facções criminosas brasileiras deixaram de atuar apenas localmente e hoje têm alcance nacional e, em alguns casos, transnacional.
“É preciso uma cooperação mundial, um trabalho conjunto no enfrentamento ao tráfico de drogas e de armas para combater o crime organizado em nível global”, afirmou o ministro, sem dar muitos detalhes de como isso deve ocorrer.
O percurso terrestre para o Corredor Bioceânico n2b65
Pelo planejamento dos governos do Brasil, do Chile e do Paraguai, a previsão para o Corredor Bioceânico é de uma operação multimodal de transportes, envolvendo trechos ferroviários e um trajeto rodoviário. No trecho por rodovias, o principal percurso terá início em Campo Grande (MS), no Centro-Oeste brasileiro, seguindo pela MS-164 e BR-267 até Porto Murtinho (MS), na fronteira com o Paraguai. Após a ponte sobre o rio Paraguai, que segue em construção, a rota avança pelo Paraguai via Carmelo Peralta, Loma Plata e Pozo Hondo, em trechos que estão em fase de asfaltamento, cruza então a Argentina aproveitando a RN-34, eixos federais, e atravessa os Andes pelo Paso de Jama.
No Chile, a rodovia CH-27 leva até a zona portuária de Antofagasta (e se estende à Iquique), totalizando cerca de 2,4 mil km de ligações terrestres entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Em paralelo ao modal rodoviário, tramita o projeto de Ferrovia Bioceânica, com destaque para o Corredor Ferroviário Paranaguá–Antofagasta, que prevê ligar o porto paranaense ao chileno ando pelo Mato Grosso do Sul, pelo Paraguai e pelo norte da Argentina. Há ainda estudos de ferrovias partindo do Porto de Santos, que percorriam a Bolívia e se integrariam a este eixo.
Os projetos ferroviários, no entanto, ainda levarão décadas para saírem do papel com uma aposta mais imediata ao trajeto por estradas e rodovias. Para completar o sistema multimodal, o corredor se articula com os grandes portos marítimos - como Santos e Paranaguá no Atlântico e Antofagasta, Iquique e Arica no Pacífico -, permitindo o transbordo de cargas entre rodovia, ferrovia e navios, o que deve reduzir prazos e custos logísticos nas exportações brasileiras, e consequentemente, estimular o mercado ilegal como o do tráfico da cocaína para a Ásia e a Oceania.
Para especialistas, não se descarta inclusive a utilização desses modais em construção para escoamento da droga até o Chile, sobretudo em percursos rodoviários que estão mais próximos da conclusão. Do Paraguai, onde opera um importante centro logístico, a cocaína do PCC que é produzida nos países andinos partiria para o Chile, sem depender da logística brasileira. Atualmente, não há registro de organizações criminosas brasileiras operando em portos chilenos, e especialistas acreditam que isso ocorra pelas dificuldades no transporte.
Uma das apostas das facções, que estão de olho no corredor, seria o de facilitar o tráfico diante do volume expressivo de cargas de exportação e importação que deve aumentar consideravelmente dificultando a fiscalização. Somado a isso, organizações criminosas brasileiras estão em posição de vantagem por não terem concorrentes locais, já que não há registros de importantes Orcrims transacionais operando do Chile.